Como um líder impopular pode vencer uma crise de insatisfação? Especialistas em liderança mostram caminho
O maior patrimônio do líder é a autoridade moral, explica Eduardo Ferraz, autor do livro “Gente de Resultado”. Uma vez perdida, a credibilidade é praticamente irrecuperável. Segundo o especialista em gestão de pessoas, essa tese é comprovada todos os dias em empresas. Assim como no governo brasileiro.
O Brasil vive uma crise de abastecimento causada pela greve dos caminhoneiros, que impede o fluxo de cargas pelo país. Mesmo o governo atendendo às reivindicações dos manifestantes, a mobilização se manteve pelo nono dia e as perdas para a economia e para a população se acumulam.
Mesmo anunciando novas medidas, como a redução do preço do diesel, o presidente Michel Temer não conseguiu conter a crise. Entre outras falhas de sua administração para lidar com a greve, falta ao presidente a autoridade moral, citada por Ferraz.
“O líder com credibilidade é aquele que fala e os outros acreditam nele. Quando promete, as pessoas sabem que vai cumprir. Se ameaça, os funcionários sabem que vai fazer”, diz Ferraz.
Para ele, o presidente Temer perdeu essa autoridade com a divulgação em maio do ano passado das gravações com o empresário da JBS Joesley Batista, que levantaram suspeita sobre o presidente de envolvimento com esquema de corrupção e obstrução de justiça. O presidente chegou a ser denunciado duas vezes pela Procuradoria Geral da República, mas as duas foram barradas em votação da Câmara dos Deputados.
Temer também sofre com grande impopularidade desde que assumiu em 2016 após o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Em pesquisa recente da CNT/MDA, seu governo tinha 71,2% de avaliações negativas.
Dentro de empresas, promessas que nunca são cumpridas, corrupção ou assédio sexual são exemplos de ações graves que acabam com a credibilidade de uma liderança diante de sua equipe. Para Eduardo Ferraz, manter funcionário sem autoridade moral pode se tornar um custo alto demais para a empresa.
“Como consultor, minha sugestão é a demissão desse chefe ou gerente”, diz ele. “Outro caminho seria ceder às vontades dos funcionários, dando aumento para todos, pedindo desculpas e tentando reparar os danos ‘comprando’ as pessoas”.
Evitar o insustentável
Diante de uma crise e da insatisfação dos funcionários, o líder precisa se adaptar e reagir antes que a situação se torne insustentável.
“O que determina o estilo de liderança não é a preferência pessoal, mas a situação”, explica Silvio Celestino, sócio-fundador da Alliance Coaching e autor do livro “O Líder Transformador”.
Fora a preocupação com sua integridade, que para o especialista deve ser constante, um bom líder deve reagir à altura do que pede a situação. “Se estamos numa sala e começa um incêndio, não é hora de ser democrático e perguntar se deveríamos sair pela porta ou pela janela. É hora de ação”.
Ao estourar uma crise, o momento pede um líder coercivo, que toma decisões mais enérgicas e exige obediência. Após a primeira reação, entra o papel de líder auxiliador, que pede pela união em tempo de crise e lembra que todos estão no mesmo barco.
Quando a situação se acalma, o líder pode ser democrático, ouvindo todos os lados e procurando chegar a um consenso.
Para os dois especialistas, o governo demorou para assumir esse primeiro papel no começo da paralisação dos caminhoneiros na segunda-feira, dia 21, e que já havia sido anunciada na sexta-feira anterior.
Mais do que uma falha de comunicação dentro da equipe, Celestino vê que o governo precisava ampliar sua visão dos problemas e insatisfações da sociedade.
No planejamento de uma empresa, o líder deve escolher sabiamente uma equipe de apoio forte que o ajude a avaliar ameaças, planejar a reação e depois executar esse plano com agilidade.
Segundo ele, além de uma reação rápida, isso permitiria enxergar além das insatisfações superficiais e encontrar a origem do problema, tornando a solução mais efetiva.
“Até o momento, o governo não conseguiu ter um mapeamento verdadeiro da situação. Sem uma visão ampla, você tem apenas hipóteses que tenta encaixar com a realidade”, explica ele.
Ao se ver sem opções para acalmar os ânimos dos funcionários e negociar, o empresário tem a possibilidade de abrir o jogo e ser sincero sobre os problemas que a empresa enfrenta, contando com a equipe para se unir em busca de soluções.
Segundo Eduardo Ferraz, essa estratégia, no entanto, requer confiança. “Qualquer cenário fica difícil de imaginar diante da fragilidade do poder de Temer. A situação toda é delicada e não temos um líder para assumir a bronca”.
Fonte: Exame.com